Pular para o conteúdo principal

Mill e psicologia individual

Por uma infelicidade do destino, fui educado acerca do trabalho do economista e filósofo inglês John Stuart Mill através do péssimo livro de história do pensamento econômico de E. K. Hunt. Isso denegriu um pouco a imagem de Mill que carreguei por algum tempo, mesmo sabendo que a obra de Hunt deixa bastante a desejar.

Stuart Mill tinha como objetivo principal fazer um síntese entre a economia política clássica de Ricardo e o utilitarismo de Jeremy Bentham, a principal corrente ética da época. Eduardo Giannetti, em seu livro "Vícios Privados, benefícios públicos?" * mostra a posição de Mill sobre a psicologia humana:

Referindo se a Bentham (mas o mesmo valeria também para Ricardo), Mill afirmou: "O homem, aquele ser mais complexo, é muito simples aos seus olhos". Simplificações drásticas da conduta humana, como o hedonismo psicológico de Bentham ou o "homem econômico" ricardiano, podiam ter alguma validade (limitada) enquanto hipóteses comportamentais em teorias sobre a realidade como ela é. Mas não mais que isso. O que de fato preocupava Mill era a universalização sub-reptícia e indevida dessas simplificações. Pois o efeito dessa extensão imprópria era empobrecer a reflexão ética e restringir seriamente qualquer horizonte mais amplo e generoso sobre o futuro da humanidade - sobre a realidade como ela deve ser. (p. 42)

De fato, também me preocupa a universalização indevida dessas simplificações - que são úteis para fazer modelos, por exemplo. Mas essas simplificações tem apenas alguma validade. Economistas parecem simplesmente aceitar que as pessoas são auto-interessadas e que nunca há espaço para considerações éticas. Um século e meio depois, algumas coisas parece que não mudam.

Pelo menos, Mill deixou seus escritos sobre filosofia moral como o "On Liberty". Ricardo faz um ótimo resumo sobre o método em Mill aqui.


*Giannetti, E. Vícios privados, benefícios públicos: A ética na riqueza das nações. São Paulo: Companhia de Letras, 2007.

Comentários

Valeu a publicidade! Abraço!

E o livro de HPE do Hunt é uma porcaria, em termos acadêmicos. Quer se divertir aprendendo HPE, vai ler o livrinho do Robert Heilbroner, hehehe.
Este comentário foi removido pelo autor.

Postagens mais visitadas deste blog

Lutero e os camponeses

São raros os momentos que discorro sobre teologia neste blog. Mas eventualmente acontece, até porque preciso fazer jus ao subtítulo dele. É comum, na minha condição declarada de cristão luterano, que eu sempre seja questionado sobre as diferenças da teologia luterana em relação às outras confissões. Outra coisa sempre mencionada é o episódio histórico do massacre dos camponeses no século XVI, sancionado por escritos de Lutero. O segundo assunto merece alguma menção. Para quem não sabe (e eu nem devo esconder isso), Lutero escreveu que os camponeses, que na época estavam fazendo uma revolta bastante conturbada, deveriam ser impedidos de praticarem tais atos contrários à ordem - inclusive por meio de violência. Lutero não mediu palavras ao dizer isso, o que deu a justificativa para a violenta supressão da revolta que ocorreu subsequentemente. O objetivo deste post não é inocentar Lutero do sangue derramado sobre o qual ele, de fato, teve grande responsabilidade. Nem vou negar que Lutero ...

Endogeneidade

O treinamento dos economistas em métodos quantitativos aplicados é ainda pouco desenvolvido na maioria dos cursos de economia que existem por aí. É verdade que isto tem melhorado, até porque não é mais possível acompanhar a literatura internacional sem ter conhecimento razoável de técnicas econométricas. Talvez alguns leitores deste blog ouçam falar muito em endogeneidade ou variáveis endógenas, principalmente no que se refere a modelos econométricos. Se pensamos em modelos de crescimento endógeno, o "endógeno" significa que a variável que causa o crescimento é determinada dentro do contexto do modelo. Mas em econometria, embora não seja muito diferente do que eu disse na frase anterior, endogeneidade se refere a "qualquer situação onde uma variável expicativa é correlacionada com o erro" (Wooldridge, 2011, p. 54, tradução livre). Baseando-me em um único trecho do livro do Wooldridge (Econometric Analysis of Cross-Section and Panel Data, 2 ed, 2011, p. 54-55) ...

Para os que prestarão ANPEC II: Que centros escolher?

Recentemente, um visitante deste blog perguntou-me que centros eu recomendaria a pessoas interessadas no mestrado em Economia. A resposta é a mais freqüente entre os economistas, independentemente da pergunta: depende. Depende da área de pesquisa e de seus objetivos acadêmicos. Evidentemente, os cursos com melhores contatos para um possível PhD. no exterior são os principais centros: EPGE-FGV, PUC-Rio e, de perto, IPE-USP. É claro que há alunos de outros centros que foram ao exterior. E mais, não pense que é simples ir para o exterior... não querendo estudar MUITO, nem vale a pena pensar nisso. Por área de pesquisa, acredito que, tratando-se de ortodoxia, os três centros mencionados têm excelentes quadros. Posso falar pela USP, que não tem nomes pesquisando em Teoria Microeconômica pura, mas é certamente um dos melhores centros para se estudar Econometria e Economia Regional. Nesse último assunto, se destaca também o CEDEPLAR-UFMG. Para aqueles que querem cursos mais ecléticos, sugiro ...