Pular para o conteúdo principal

Fome e democracia

A greve dos funcionários da USP deixou um problema para nossos estômagos: o fechamento do bandeijão. É evidente que não passamos fome, embora tenhamos que comer menos e pagando mais em outros lugares. Mas são custos que só temos por vivermos em uma democracia. No entanto, em outros lugares, o problema da fome existe.

Provavelmente, o primeiro economista a falar no assunto foi meu xará Thomas Malthus em seu "Ensaio sobre a População". Os economistas o conhecem mais por Keynes considerá-lo seu precursor e por ter travado discussões com David Ricardo em defesa dos proprietários de terra, aqueles que com suas vidas ociosas poderiam reestabelecer o equilíbrio acabando com o problema do subconsumo. No entanto, sua teoria populacional ficou mais conhecida em outros meios e, sombriamente, Malthus disse que a produção de alimentos crescia a taxas aritméticas, enquanto a população seguia em progressão geométrica. Ou seja, o mundo conheceria no futuro uma terrível fome.

O tempo mostrou que Malthus estava errado. Em dados retirados de Amartya Sen, temos que a produção de alimentos per capita tem crescido continuamente. Em um índice com base no triênio 1979-1981, temos que em 1974, o índice estava em 97,4. Em 1997, o mesmo índice apontava 111. À exceção da África, todas as regiões apresentaram aumento de alimentos por pessoa. No entanto, a fome persiste em alguns lugares e, geralmente, ela não está relacionada à falta de produção. A fome ocorrida na Irlanda no século 19 foi um caso característico: face a uma brusca mudança de preços relativos, os irlandeses ficaram destituídos, levando-os à fome. No entanto, a exportação de produtos alimentícios para a Inglaterra aumentou.

O grande problema foi a falta de ação do governo britânico na época. Amartya Sen afirma que nunca houve uma fome generalizada em ambientes democráticos ao longo da história. Pensemos então em paises que sofrem muito com fome: Coréia do Norte pode ser um bom exemplo, um país totalitário. Não preciso nem comentar sobre os contubados ambientes políticos de diversos países africanos e suas terríveis fomes e pestes.

Embora alguns conservadores, ao verem greves e tumultos, costumem amaldiçoar a democracia, o que é melhor? Testes estatísticos não corroboram as idéias de que autoritarismo é bom para o crescimento. Além disso, com eleições, os governos precisam corresponder a expectativas mínimas da sociedade (exemplo: impedir fomes generalizadas). Democracia de fato tem seus custos: ciclos políticos (Nordhaus, 1975 e outros) ou fluxos de capitais instáveis (Eichengreen, 2000). No entanto, são pequenos comparados às vantagens que ela proporciona para o bem-estar social.

Comentários

Joel Pinheiro disse…
Olá Thomas. Mais um texto instigante!

Tenho uma pergunta:
Por meio de quais mecanismos a democracia resolve o problema da fome?
Thomas H. Kang disse…
Uma vez que em sistemas democráticos, os governos tem que se deparar com eleições e com a imprensa, eles tem incentivos a proverem formas de combate a crises extremas desse tipo. E, até agora, a história corrobora a afirmação, embora ela não tenha poder de juízo sobre nada, como bem advoga Popper.

Nesses casos, um governo pode ser bastante útil na minha opinião, contrariando algumas proposições libertárias.

Em caso de tiranias, a sociedade tem pouca voz. Mais simples as fomes ocorrerem.

Postagens mais visitadas deste blog

Endogeneidade

O treinamento dos economistas em métodos quantitativos aplicados é ainda pouco desenvolvido na maioria dos cursos de economia que existem por aí. É verdade que isto tem melhorado, até porque não é mais possível acompanhar a literatura internacional sem ter conhecimento razoável de técnicas econométricas. Talvez alguns leitores deste blog ouçam falar muito em endogeneidade ou variáveis endógenas, principalmente no que se refere a modelos econométricos. Se pensamos em modelos de crescimento endógeno, o "endógeno" significa que a variável que causa o crescimento é determinada dentro do contexto do modelo. Mas em econometria, embora não seja muito diferente do que eu disse na frase anterior, endogeneidade se refere a "qualquer situação onde uma variável expicativa é correlacionada com o erro" (Wooldridge, 2011, p. 54, tradução livre). Baseando-me em um único trecho do livro do Wooldridge (Econometric Analysis of Cross-Section and Panel Data, 2 ed, 2011, p. 54-55)

Lutero e os camponeses

São raros os momentos que discorro sobre teologia neste blog. Mas eventualmente acontece, até porque preciso fazer jus ao subtítulo dele. É comum, na minha condição declarada de cristão luterano, que eu sempre seja questionado sobre as diferenças da teologia luterana em relação às outras confissões. Outra coisa sempre mencionada é o episódio histórico do massacre dos camponeses no século XVI, sancionado por escritos de Lutero. O segundo assunto merece alguma menção. Para quem não sabe (e eu nem devo esconder isso), Lutero escreveu que os camponeses, que na época estavam fazendo uma revolta bastante conturbada, deveriam ser impedidos de praticarem tais atos contrários à ordem - inclusive por meio de violência. Lutero não mediu palavras ao dizer isso, o que deu a justificativa para a violenta supressão da revolta que ocorreu subsequentemente. O objetivo deste post não é inocentar Lutero do sangue derramado sobre o qual ele, de fato, teve grande responsabilidade. Nem vou negar que Lutero

Exogeneidade em séries de tempo

Mais um texto de quem tem prova de econometria na segunda-feira. Quem não é economista não deve de forma alguma ler esse texto. Não digam que eu não avisei. Quando falamos de exogeneidade na econometria clássica, estamos falando da chamada exogeneidade "estrita", que nada mais consiste no fato de uma variável x não ser correlacionada com qualquer erro. Nas séries de tempo, no entanto, trabalha-se com três tipos de exogeneidade, dependendo do fim proposto. Na busca de resultados em inferência estatística (modos de estimar parâmetros e formulação de testes de hipótese), utiliza-se, em séries de tempo, o conceito de exogeneidade fraca. Para isso, precisamos 'fatorar a função de distribuição em duas partes: distribuição condicional e distribuição marginal . Define-se que uma variável é fracamente exógena em relação aos parâmetros de interesse se, e somente se, houver um certo tipo de reparametrização e atender duas condições: a variável de interesse precisa ser função de apen