Pular para o conteúdo principal

Utilitarismo

O utilitarismo muito influenciou a Ciência Econômica ao longo de sua história. Seu surgimento como uma teoria de justiça deve-se a Jeremy Bentham, que viveu na Inglaterra do século XVIII. Posteriormente, o utilitarismo tornou-se parte integrante da ortodoxia econômica a partir de sua adoção por John Stuart Mill, já no século XIX. Naquela época, o utilitarismo já era bastante conhecido nos meios intelectuais: era a teoria ética dominante. A consagração veio depois com a escola marginalista e neoclássica com William S. Jevons e Alfred Marshall no final do século XIX e Francis Edgeworth e A. C. Pigou no XX, por exemplo. É evidente que o utilitarismo foi sendo aperfeiçoado enquanto isso.

Embora nos estudos de HPE, o utilitarismo se destaque e todos já tenham ouvido falar dele em algum momento, poucos sabem no que de fato consiste o pensamento utilitarista. Amartya Sen, em cujos escritos tenho baseado meus últimos posts (quando eu acabar de lê-los, prometo mudar), tenta detectar uma espécie de “núcleo duro” do utilitarismo atual, o qual consiste em três aspectos (1999a, p. 55, adaptado):

  1. “welfarismo” [welfarism], requerendo que a bondade de um estado de coisas [state of affairs] seja função apenas das informações sobre utilidade relativas a esse estado (ou seja, o que importa para avaliação dos estados são as utilidades individuais naqueles estados).
  1. “ranking pela soma”[sum-ranking], requerendo que as informações sobre utilidade relativas a qualquer estado sejam avaliadas considerando apenas o somatório das utilidades desse estado (ou seja, o que importa é a soma: distribuição não importa).
  1. “conseqüencialismo” [consequentialism], requerendo que toda escolha – de ações, instituições, motivações, regras, etc. – seja em última análise determinada pela bondade dos estados de coisas decorrentes (ou seja, o que importa para avaliar é o resultado gerado pelas escolhas).


Segundo Sen, o critério de otimalidade de Pareto satisfaz o “welfarismo” e o conseqüencialismo. Conjuntamente, essas três características levam a fórmula utilitarista no qual cada escolha é julgada pela soma total das utilidades geradas por aquela escolha (Sen, 1999b, p. 59). Nas definições acima, já é possível detectar algumas das limitações do utilitarismo: a) a indiferença distributiva; b) a negação de tudo o que não tem a ver com utilidades, como, por exemplo, direitos e liberdades; e c) não levar em conta o condicionamento mental e a adaptação, ou seja, as pessoas podem avaliar sua satisfação adaptativamente, dadas as condições em que vivem, etc. (Sen, 1999b, p. 62-63).


É possível associar as limitações com as características. É um bom exercício.

SEN, A. K. (1999a). Sobre Ética e Economia. São Paulo: Companhia das Letras.

_________ (1999b). Development as Freedom. Anchor Books.

Comentários

Guilherme Stein disse…
ok, thomas... a resposta vem no rabiscos ;D~

Postagens mais visitadas deste blog

Lutero e os camponeses

São raros os momentos que discorro sobre teologia neste blog. Mas eventualmente acontece, até porque preciso fazer jus ao subtítulo dele. É comum, na minha condição declarada de cristão luterano, que eu sempre seja questionado sobre as diferenças da teologia luterana em relação às outras confissões. Outra coisa sempre mencionada é o episódio histórico do massacre dos camponeses no século XVI, sancionado por escritos de Lutero. O segundo assunto merece alguma menção. Para quem não sabe (e eu nem devo esconder isso), Lutero escreveu que os camponeses, que na época estavam fazendo uma revolta bastante conturbada, deveriam ser impedidos de praticarem tais atos contrários à ordem - inclusive por meio de violência. Lutero não mediu palavras ao dizer isso, o que deu a justificativa para a violenta supressão da revolta que ocorreu subsequentemente. O objetivo deste post não é inocentar Lutero do sangue derramado sobre o qual ele, de fato, teve grande responsabilidade. Nem vou negar que Lutero ...

Endogeneidade

O treinamento dos economistas em métodos quantitativos aplicados é ainda pouco desenvolvido na maioria dos cursos de economia que existem por aí. É verdade que isto tem melhorado, até porque não é mais possível acompanhar a literatura internacional sem ter conhecimento razoável de técnicas econométricas. Talvez alguns leitores deste blog ouçam falar muito em endogeneidade ou variáveis endógenas, principalmente no que se refere a modelos econométricos. Se pensamos em modelos de crescimento endógeno, o "endógeno" significa que a variável que causa o crescimento é determinada dentro do contexto do modelo. Mas em econometria, embora não seja muito diferente do que eu disse na frase anterior, endogeneidade se refere a "qualquer situação onde uma variável expicativa é correlacionada com o erro" (Wooldridge, 2011, p. 54, tradução livre). Baseando-me em um único trecho do livro do Wooldridge (Econometric Analysis of Cross-Section and Panel Data, 2 ed, 2011, p. 54-55) ...

Exogeneidade em séries de tempo

Mais um texto de quem tem prova de econometria na segunda-feira. Quem não é economista não deve de forma alguma ler esse texto. Não digam que eu não avisei. Quando falamos de exogeneidade na econometria clássica, estamos falando da chamada exogeneidade "estrita", que nada mais consiste no fato de uma variável x não ser correlacionada com qualquer erro. Nas séries de tempo, no entanto, trabalha-se com três tipos de exogeneidade, dependendo do fim proposto. Na busca de resultados em inferência estatística (modos de estimar parâmetros e formulação de testes de hipótese), utiliza-se, em séries de tempo, o conceito de exogeneidade fraca. Para isso, precisamos 'fatorar a função de distribuição em duas partes: distribuição condicional e distribuição marginal . Define-se que uma variável é fracamente exógena em relação aos parâmetros de interesse se, e somente se, houver um certo tipo de reparametrização e atender duas condições: a variável de interesse precisa ser função de apen...