Em um livro já não tão novo, datado de 1970, Albert Hirschman, um dos representantes do “Development Economics”, escreve algo interessante e até curioso acerca dos colegas da ciência política. Isso ainda é bastante atual para o Brasil, onde a influência da ciência política norte-americana vem chegando aos poucos. Não significa que eu seja contra a ciência política formalizada, inclusive pretendo usá-la. Reconheço, no entanto, que em alguns pontos Hirschman tem razão:
[...] eu espero demonstrar aos cientistas políticos a utilidade dos conceitos econômicos e aos economistas, a utilidade dos conceitos políticos. Essa reciprocidade tem estado em falta nos recentes trabalhos interdisciplinares, porquanto os economistas têm afirmado que conceitos desenvolvidos com o propósito de analisar fenômenos de escassez e alocação de recursos podem ser usados com sucesso para explicar fenômenos políticos diversos como poder, democracia e nacionalismo. Eles têm, dessa forma, conseguido ocupar vastas porções da disciplina vizinha, enquanto os cientistas políticos – cujo complexo de inferioridade em relação ao ferramental do economista só se compara ao complexo do economista em relação ao físico – têm se mostrado ansiosos em ser colonizados e freqüentemente aliam-se ativamente aos invasores. Talvez caiba a um economista reacender os sentimentos de identidade e orgulho entre os nossos oprimidos colegas e dar-lhes alguma confiança de que seus conceitos não têm apenas grandeur, mas também rayonnement? Eu gosto de pensar que isso poderia ser um subproduto do presente ensaio. (Hirschman, 1970, p. 20, tradução minha).
Não me parece que os cientistas políticos tenham ouvido muito Hirschman, mas felizmente, a invasão dos economistas no campo da ciência política têm recentemente gerado o resultado oposto também desejado por Hirschman: aos poucos, a política entra na economia, que tradicionalmente ignorava relações de poder, através dos trabalhos da Nova Economia Institucional de Doug North (Washington), e mais recentemente com Daron Acemoglu (MIT) e James Robinson (Harvard), por exemplo. Um pequeno contra-ataque que vem apenas a enriquecer.
Hirschman, A. O. (1970). Exit, Voice and Loyalty: Responses to Decline in Firms, Organizations and States. Cambridge: Harvard University Press.
Comentários
Existe uma disputa (e um certo ranço) entre sociologia e ciência política, em parte justamente por causa dessa colonização que a economia está fazendo na ciência política. Das três humanas (ciência política, sociologia e antropologia), a primeira é a que mais está aberta a estudos quantitativos. Além disso, a teoria dos jogos entrou forte na ciência política. Essa influência não é de hoje. Um dos livros mais influentes desse movimento de apropriação do ferramental econômico pela ciência política é o "Uma teoria econômica da democracia", do Anthony Downs, de 1957.
Felizmente, para o bem da economia e da ciência política, essa relação entre as duas veio para ficar.
O resultado é gente com formação em economia como eu estudando ciência política e a NEI se expandindo.
Abraço!
Abraços.
Não conheço bem a literatura da nova sociologia econômica, embora tenha o Ricardo Abramovay por aqui que trabalha com isso. No entanto, anda ocorrendo uma reaproximação desses campos através de suas correntes mainstream ao que aparece. Qualquer dica tua sobre a NSE é bem-vinda.
Agradeço aos elogios pelo blog.
Achei muito bom o teu post.
Essa integraçao entre as ciencias sociais é fundamental.
A grande maioria de estudos inovadores está juntamente nessas áreas, nos pontos de intersecçao entre as disciplinas.
O grande distanciamento entre a economia e a ciência política fez mal às duas. Acho que a integraçao é um dos grandes desafios das ciências sociais no Brasil. Só caras como o Hirschman conseguiram trabalhar juntanto as duas. Os trabalhos de democratizaçao e reformas econômicas tentam levar as duas coisas em consideraçao.
Acho que Democracy and Development: Political Institutions and Material Well-Being in the World, 1950-1990 (Adam Przeworski, Michael Alvarez, José Antonio Cheibub and Fernando Limongi. Cambridge: Cambridge University Press, 2000)
é um dos melhores representantes dessa linha. Vale a pena dar uma olhada na base de dados que eles fizeram: http://www.ssc.upenn.edu/~cheibub/data/Default.htm
Parabéns pela qualidade do Blog!
Abraço!