Nosso pai Adão (como costumava dizer meu professor de História Econômica Geral, Prof. Dr. Eugênio Lagemann) é comumente visto como defensor de um liberalismo radical, segundo o qual, o bem-estar geral era resultado da interação entre homens egoístas. Essa versão disseminada na ciência econômica é um erro na visão de cada vez mais pessoas. Como disse também o Prof. Dr. Flávio Comim uma vez em aula: “isso que chamam de neoliberalismo é uma ofensa ao liberalismo clássico”. Geralmente, pensa-se que não há lá grandes diferenças entre o velho e o novo liberalismo. Conseqüentemente, Smith é injustiçado quando sua obra é reduzida à “mão invisível”, expressão usada duas vezes em sua obra.
Por esse motivo, Smith continua sendo um vasto campo de estudo para os historiadores das idéias econômicas. Muitos estudiosos recuperaram o contexto filosófico da época em que Smith viveu para obter uma interpretação mais precisa acerca do pensamento do escocês. Esses estudiosos contrariam uma concepção de compreensão da HPE liderada por autores como Mark Blaug (1985), o qual interpreta os autores do passado a partir da teoria econômica contemporânea. Para Bianchi e Santos (2005) e Cerqueira (2003, 2005), é preciso considerar seu contexto histórico e intelectual, além de suas outras obras, principalmente “A Teoria dos Sentimentos Morais”, seu tratado sobre ética, para que haja uma melhor compreensão do pensamento smithiano.
Bianchi e Santos (2005) apontam que auto-interesse e egoísmo são conceitos distintos no linguajar de Smith, considerando o contexto em que ele escreveu. O egoísmo seria uma exacerbação do auto-interesse: o último não seria virtude ou vício, enquanto o primeiro seria um vício. É no auto-interesse que se baseia o argumento de Smith no tocante aos benefícios públicos: Com o egoísmo, “não haveria qualquer garantia de um resultado socialmente benéfico” (Bianchi e Santos, 2005, p. 9). Ignoram muitos economistas os conceitos de simpatia e prudência provindas do Iluminismo escocês, movimento que tem suas diferenças em relação a vertente inglesa e, é claro, de outras nações como França (enciclopedistas) e Alemanha (Kant e a Aufklärung). (Cerqueira, 2005).
Essa é apenas uma das conclusões acerca do pensamento de Smith advindos de estudos mais acurados e contextualizados sobre sua obra. Assim, seu pensamento econômico não se desvincula de pensamento ético. Essa separação é um mal que, segundo Sen (1999), tem afligido a ciência econômica por séculos. Uma releitura de Smith seria saudável para recuperar parte do legado que seus filhos intelectuais rejeitaram.
Bianchi, A. M. & Santos, A. T. A. (2005). Adam Smith: filósofo e economista. Cadernos IHU Idéias. Ano 3, n. 35.
Blaug, M. (1985). Economic Theory in Retrospect.
Cerqueira, H. E. A. G. (2003). Para ler Adam Smith: novas abordagens. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro2003/artigos/A20.pdf
___________ (2005). Adam Smith e seu contexto: o Iluminismo escocês. VIII Encontro de Economia da Região Sul – ANPEC Sul 2005. Ver CD-Rom.
Sen, A. K. (1999). Sobre Ética e Economia. São Paulo: Companhia das Letras.
Comentários
Auto-Interesse nas palavras de praticamente todos os liberais que eu já li (desde Adam Smith, passando por Mises, Hayek até David e Milton Friedman) é algo o qual todas as pessoas têm. Todo mundo age de acordo com o que que pensa que é melhor para si. Quando eu compro uma Ferrari ou quando eu dou dinheiro para o Instituto do Câncer Infantil eu estou fazendo algo que EU acho certo fazer, me traz satisfação.
Egoísmo no estrito senso, o senso em que Adam Smith nem qualquer liberal jamais falou, é quando uma pessoa só é feliz se faz coisas para si mesmo, ou seja, não lhe traz satisfação fazer uma outra pessoa feliz.
O Neoliberalismo, Libertarianismo e os autores que o defendem NUNCA disseram que os seres humanos são egoístas no estrito sendo da palavra. Eles simplesmente afirmaram o óbvio. As pessoas perseguem seu auto-interesse, fazem o que eles julgam correto fazer (seja comprar uma Ferrari ou virar uma Madre-Teresa). Penso que foi isso que Adam Smith quis dizer.
O problema de juntar a ética com o pensamento economico é que você está preenchendo o conceito "auto-interesse", conceito esse que é necessariamente vazio e só pode ser preenchido pelo próprio indivíduo. Quando você faz isso, você torna a ciência econômica uma ciência do que DEVERIA ser e não do que É. Não é mais descritiva. Além disso, existe o problema de qual ética deve ser aplicada. A minha ética? A sua? A ética dos cristãos? Dos muçulmanos? Não existe uma só ética.
Dizer que os indivíduos são guiados pelo "auto-interesse" não quer dizer que as pessoas são desprovidas de qualquer ética, mas sim que as pessoas vão perseguir a melhor ética nas suas opiniões.
Penso que o maior insight do Adam Smith foi dizer que mesmo assim, mesmo havendo conflitos sobre fins, ideias, éticas e vontades, as pessoas iriam cooperar e dividir o trabalho porque é mais barato do que fazer guerra.
David Friedman diz que existem apenas 3 maneiras de as pessoas conseguirem coisas umas das outras: Amor, Força e Trocas. Quando se tem amor mútuo as pessoas tem o auto-interesse em ajudar o próximo, pois eles se amam. A força é quando existem divergências nos fins (no auto-interesse) e a pessoa mais forte submete a outra ao seu auto-interesse. Na troca (que foi descrita brilhantemente por Adam Smith) as pessoas tem interesses distintos, mas percebem que pode cooperar para atingir mutuamente ambos interesses. O insight do Adam Smith foi dizer que esse tipo relação predomina entre os humanos, pois é um jeito mais eficiente do que fazer guerra e é mais fácil de achar parceiros comerciais do que amigos, amantes e ect.
Guerra é caro demais e amor não é suficiente.
O livre mercado é barato e abundante.