Pular para o conteúdo principal

Políticas públicas e conseqüências

Costumamos debater pelos lugares onde passamos, geralmente em bares ou nas universidades. Política pública é um assunto comum: cotas, aborto ou Bolsa-Família são assuntos recorrentes. No entanto, muitas vezes nos deparamos com pessoas que parecem simplesmente papagaiar frases ditas por outros. Algumas vezes, são conceitos simplesmente passados de geração em geração, repetidos por filhos de um proprietário de terras ou de um ex-militante comunista.

Talvez uma das grandes vantagens de se estudar Economia é a possibilidade de refletir melhor sobre as questões através da imensa literatura publicada em revistas da área a respeito de políticas públicas. Não que os estudos determinem fatalmente qual é a posição correta a ser defendida: a análise econômica, que tem algum poder para descobrir que conseqüências certas políticas podem gerar, é muito útil para refletirmos, embora não seja a palavra final em termos de certo ou errado. O julgamento da política ultrapassa isso, embora a análise conseqüencial seja um bom caminho a ser considerado.

É fácil, repetindo o que dizem alguns, que o bolsa-família é meramente assistencialista e cheio de falhas. Também é fácil dizermos o oposto, que ser contrário a tal política é coisa de burguês. O que pouca gente sabe é que, de acordo com o Paes de Barros, economista do IPEA não comprometido com o governo Lula, o grande mérito do Bolsa-Família é ter identificado quem são os verdadeiramente pobres. Salvo algumas exceções que costumam virar escândalo em telejornais, os beneficiados do bolsa-família são de fato as pessoas mais pobres desse país. Isso não significa que devemos necessariamente louvar o programa. Mas pelo menos, temos um dado aparentemente positivo a ser avaliado. Significa também que, de repente, embora o programa possa até estar equivocado, poderíamos melhorá-lo a fim de tranformá-lo, fazendo-o deixar de ser "meramente assistencialista".

É fácil sermos contra ou a favor de cotas baseando-nos nessa ou naquela ideologia. O que pouca gente sabe é a enorme literatura em ações afirmativas existentes nas principais revistas de Economia. Analisar as conseqüências e os incentivos de tais políticas pode ser importante antes de tomarmos uma posição definitiva - que pode ser em geral uma papagaiada. Confesso que não li essa literatura e que, mesmo assim, tenho minha opinião sobre as cotas (contra). Mas não a defendo com unhas e dentes e tenho muito curiosidade de ler a respeito.

Como eu disse, levarmos em consideração algumas conseqüências de certas políticas não implica que defendamos isso ou aquilo. Pensemos no aborto: Segundo Levitt no seu "Freakonomics", a aprovação da lei do aborto diminuiu substancialmente a criminalidade cerca de 17 ou 18 anos depois. Esse resultado, se confirmado (há contestações a respeito), não deve ser ignorado. No entanto, não me sinto por isso inclinado a defender o aborto como política geral (posso discuti-la em casos específicos). Existem outras formas de diminuir a criminalidade que não ferem o direito à vida. Conseqüências como a alta da criminalidade são importantes, mas direitos básicos também podem ser considerados em uma análise ética (até mesmo em uma ética conseqüencial: podemos dizer que direitos são abarcados como conseqüências, como defende Amartya Sen).

Comentários

Programas assistenciais estão positivamente correlacionados com matrículas em escolas públicas, para a população pobre. Essa foi a conclusão do meu trabalho de modelos hierárquicos (que eu quero transformar em artigo, em breve).

Uma colega minha de mestrado pesquisará, na dissertação, sobre o impacto de políticas assistenciais sobre a oferta de trabalho.

Usar métodos de análise econômica para investigar efeitos de políticas públicas é muito interessante, e é o que os economistas profissionais brasileiros mais fazem. Mas concordo que os entraves ideológicos, de direita, de esquerda, e de cunho anarco-liberal, atrapalham muito o debate.

Postagens mais visitadas deste blog

Lutero e os camponeses

São raros os momentos que discorro sobre teologia neste blog. Mas eventualmente acontece, até porque preciso fazer jus ao subtítulo dele. É comum, na minha condição declarada de cristão luterano, que eu sempre seja questionado sobre as diferenças da teologia luterana em relação às outras confissões. Outra coisa sempre mencionada é o episódio histórico do massacre dos camponeses no século XVI, sancionado por escritos de Lutero. O segundo assunto merece alguma menção. Para quem não sabe (e eu nem devo esconder isso), Lutero escreveu que os camponeses, que na época estavam fazendo uma revolta bastante conturbada, deveriam ser impedidos de praticarem tais atos contrários à ordem - inclusive por meio de violência. Lutero não mediu palavras ao dizer isso, o que deu a justificativa para a violenta supressão da revolta que ocorreu subsequentemente. O objetivo deste post não é inocentar Lutero do sangue derramado sobre o qual ele, de fato, teve grande responsabilidade. Nem vou negar que Lutero

Endogeneidade

O treinamento dos economistas em métodos quantitativos aplicados é ainda pouco desenvolvido na maioria dos cursos de economia que existem por aí. É verdade que isto tem melhorado, até porque não é mais possível acompanhar a literatura internacional sem ter conhecimento razoável de técnicas econométricas. Talvez alguns leitores deste blog ouçam falar muito em endogeneidade ou variáveis endógenas, principalmente no que se refere a modelos econométricos. Se pensamos em modelos de crescimento endógeno, o "endógeno" significa que a variável que causa o crescimento é determinada dentro do contexto do modelo. Mas em econometria, embora não seja muito diferente do que eu disse na frase anterior, endogeneidade se refere a "qualquer situação onde uma variável expicativa é correlacionada com o erro" (Wooldridge, 2011, p. 54, tradução livre). Baseando-me em um único trecho do livro do Wooldridge (Econometric Analysis of Cross-Section and Panel Data, 2 ed, 2011, p. 54-55)

Exogeneidade em séries de tempo

Mais um texto de quem tem prova de econometria na segunda-feira. Quem não é economista não deve de forma alguma ler esse texto. Não digam que eu não avisei. Quando falamos de exogeneidade na econometria clássica, estamos falando da chamada exogeneidade "estrita", que nada mais consiste no fato de uma variável x não ser correlacionada com qualquer erro. Nas séries de tempo, no entanto, trabalha-se com três tipos de exogeneidade, dependendo do fim proposto. Na busca de resultados em inferência estatística (modos de estimar parâmetros e formulação de testes de hipótese), utiliza-se, em séries de tempo, o conceito de exogeneidade fraca. Para isso, precisamos 'fatorar a função de distribuição em duas partes: distribuição condicional e distribuição marginal . Define-se que uma variável é fracamente exógena em relação aos parâmetros de interesse se, e somente se, houver um certo tipo de reparametrização e atender duas condições: a variável de interesse precisa ser função de apen