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Perfeccionismo moral e subjetivismo welfarista

O problema que vejo no debate que vem sendo travado até agora é saber se (a) não estamos caindo em algum tipo de perfeccionismo moral e, (2) se algum tipo de perfeccionismo moral é aceitável. Quando falo de perfeccionismo, estou me referindo a concepções morais como as defendidas na Grécia Antiga: o homem estaria próximo à perfeição moral à medida que participasse ativamente da vida política da pólis. Dessa forma, estavam definidos que tipo de vida um homem devia levar - trata-se de uma concepção objetiva.


Do lado oposto, temos a idéia welfarista, traço marcante do utilitarismo, na qual a satisfação de desejos subjetivos torna-se a métrica. Na concepção clássica de Bentham, falava-se na dicotomia prazer-dor. Quem sabe o que é o melhor para si é o indivíduo. Se, como disse o Joel, uma pessoa gosta de se enlamaçar ou fazer qualquer outra coisa que a maioria das pessoas considere absurda, não importa: o que importa é que ele está agindo de acordo com suas preferências.

Contudo, ambas as concepções são problemáticas. O perfeccionismo poderia justificar tiranias, como afirmará qualquer adepto da escola austríaca. Mesmo John Rawls vai dizer que o perfeccionismo não consegue lidar com o que ele chama de "circunstâncias da justiça", ou seja, com o pluralismo moral existente em uma sociedade. O welfarismo, no entanto, é deficiente na medida em que considera os desejos como fonte única de valor. O grande problema, segundo Sen, é o problema das preferências adaptativas. Quando a pobreza é extrema, por exemplo, o indivíduo em geral, buscando formas para suportar a situação de destituição, adapta suas preferências contentando-se com pouco. Afinal, se a satisfação de certas pessoas (geralmente ricos) que advém do consumo de uma grama de caviar é a mesma que a de um pobre consumindo uma grama de frango, talvez pudesse se dizer que a alocação de quantidades iguais de caviar e frango para os respectivos consumidores é justa (claro, se for permitido fazer comparações interpessoais) Tendo todavia a noção de que as preferências são adaptativas, é dificil advogarmos esse critério subjetivo de bem-estar de forma tão absoluta pelo menos.

O liberalismo igualitário de Rawls tenta buscar um caminho entre o perfeccionismo e o welfarismo, assim como também a concepção derivada proposta por Sen. Quando leio os comentários do Joel sobre Aristóteles (devendo chamar atenção para meu conhecimento raso em relação a Aristóteles), fico pensando se não há muito de perfeccionismo moral na história. Não posso, entretanto, ficar com os que entronam as preferências subjetivas e, dessa forma, esquecem do processo em que preferências são formadas. As preferências não podem ser tomadas como dadas quando falamos de justiça. Uma solução que Sen propõe é a utilização de escolhas contrafactuais (será que é a solução?).

O conceito de capability de Sen é uma tentativa de encontrar esse caminho intermediário. Afinal, as capabilities são os conjuntos de vetores de functionings (aquilo que tem valor para a pessoa e que é realizado), ou seja, o campo de possibilidades de escolha entre diferentes tipos de vida em última instância. Quanto mais possibilidades ela tiver para chegar aos seus objetivos, melhor. Porém estar bem nutrido ou poder escapar de doenças facilmente evitáveis são functionings valiosas para as pessoas.

Espero ter mostrado a dificuldade mas também a necessidade de achar algo intermediário entre esses dois extremos, que, para mim, levam a implausibilidades em algumas questões concretas.


*um pouco dessas conclusões derivam-se das aulas e leituras da disciplina "Teoria Contemporâneas de Justiça" do Departamento de Ciência Política da FFLCH-USP, sob a docência do Prof. Dr. Álvaro de Vita.

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