Pular para o conteúdo principal

Entre princípios e conseqüências: Bonhoeffer e Sen

Quando Dietrich Bonhoeffer, pastor e teólogo alemão na época da II Guerra, decidiu fazer parte da conspiração contra a vida de Hitler, ele talvez tenha pensado diversas vezes se fizera a coisa certa. Entretanto, ante as enormes atrocidades cometidas pelo nazismo e o silêncio de boa parte das igrejas, ele tinha que tomar uma decisão. Atentar contra a vida de alguém, mesmo que fosse Hitler, seria ferir um princípio claramente expresso nos Dez Mandamentos, por exemplo. Ademais, mesmo a filosofia analítica kantiana consideraria isso uma quebra de um princípio básico: as pessoas não devem ser meios de se atingir algo mais, mas fins.

Com milhares de judeus sendo perseguidos e após ter fundado a Igreja Confessante, formada pelos cristãos contrários ao regime hitlerista, Bonhoeffer tomou sua decisão. Como sabemos, Hitler não foi morto por revoltosos e os conspiradores foram posteriormente descobertos. Bonhoeffer foi mandado para a prisão, onde escreveu diversas cartas, poemas e inclusive trechos que viriam a formar seu livro sobre ética. Dias antes da libertação da cidade em que se encontrava preso, um dos maiores teólogos e mártires do século 20 foi morto pelos nazistas.

Em seu livro “Ética”, a principal conclusão é a seguinte: não podemos simplesmente basear nossa ética somente em conseqüências, como faz o utilitarismo. No entanto, os dilemas de uma ética de princípios são claramente identificados na decisão de tentar ou não matar Hitler. Para Bonhoeffer, é preciso deixar algum espaço na ética para Deus. Ambos os extremos são equivocados.

Recorrer a Deus é bom (na minha opinião), mas mesmo apenas racionalmente é possível justificar a inadequação de qualquer ética puramente baseada em princípios ou somente baseada em conseqüências. Por que afinal certos princípios devem ter prioridade absoluta quando confrontados com questões de vida ou morte? Mesmo na branda versão liberal de justiça escrita por Rawls, temos a prioridade da liberdade. Esta e versões mais extremas como o libertarianismo (perdão pelo neologismo) negligenciam as conseqüências em última instância. Mesmo que afirme-se que adotar os princípios libertários seja conseqüencialmente benéfico, na hora de julgar um estado de coisas em que no limite tenha-se que escolher entre o princípio ou a conseqüência, a decisão será favorável ao princípio. Por outro lado, o utilitarismo é absolutamente conseqüencialista e vai sempre ignorar direitos, por exemplo. Se para atingir um determinado fim for necessário passar por cima de alguns direitos básicos, não há problema, seja lá qual for o fim.

Em situações conflitantes entre meios e fins, é preciso uma outra resposta ética. Toda essa argumentação baseia-se principalmente nas contribuições de Amartya Sen, o qual tenta fornecer uma resposta. De qualquer forma, o problema está bastante claro e, certamente, precisamos de outra resposta.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Lutero e os camponeses

São raros os momentos que discorro sobre teologia neste blog. Mas eventualmente acontece, até porque preciso fazer jus ao subtítulo dele. É comum, na minha condição declarada de cristão luterano, que eu sempre seja questionado sobre as diferenças da teologia luterana em relação às outras confissões. Outra coisa sempre mencionada é o episódio histórico do massacre dos camponeses no século XVI, sancionado por escritos de Lutero. O segundo assunto merece alguma menção. Para quem não sabe (e eu nem devo esconder isso), Lutero escreveu que os camponeses, que na época estavam fazendo uma revolta bastante conturbada, deveriam ser impedidos de praticarem tais atos contrários à ordem - inclusive por meio de violência. Lutero não mediu palavras ao dizer isso, o que deu a justificativa para a violenta supressão da revolta que ocorreu subsequentemente. O objetivo deste post não é inocentar Lutero do sangue derramado sobre o qual ele, de fato, teve grande responsabilidade. Nem vou negar que Lutero

Endogeneidade

O treinamento dos economistas em métodos quantitativos aplicados é ainda pouco desenvolvido na maioria dos cursos de economia que existem por aí. É verdade que isto tem melhorado, até porque não é mais possível acompanhar a literatura internacional sem ter conhecimento razoável de técnicas econométricas. Talvez alguns leitores deste blog ouçam falar muito em endogeneidade ou variáveis endógenas, principalmente no que se refere a modelos econométricos. Se pensamos em modelos de crescimento endógeno, o "endógeno" significa que a variável que causa o crescimento é determinada dentro do contexto do modelo. Mas em econometria, embora não seja muito diferente do que eu disse na frase anterior, endogeneidade se refere a "qualquer situação onde uma variável expicativa é correlacionada com o erro" (Wooldridge, 2011, p. 54, tradução livre). Baseando-me em um único trecho do livro do Wooldridge (Econometric Analysis of Cross-Section and Panel Data, 2 ed, 2011, p. 54-55)

Exogeneidade em séries de tempo

Mais um texto de quem tem prova de econometria na segunda-feira. Quem não é economista não deve de forma alguma ler esse texto. Não digam que eu não avisei. Quando falamos de exogeneidade na econometria clássica, estamos falando da chamada exogeneidade "estrita", que nada mais consiste no fato de uma variável x não ser correlacionada com qualquer erro. Nas séries de tempo, no entanto, trabalha-se com três tipos de exogeneidade, dependendo do fim proposto. Na busca de resultados em inferência estatística (modos de estimar parâmetros e formulação de testes de hipótese), utiliza-se, em séries de tempo, o conceito de exogeneidade fraca. Para isso, precisamos 'fatorar a função de distribuição em duas partes: distribuição condicional e distribuição marginal . Define-se que uma variável é fracamente exógena em relação aos parâmetros de interesse se, e somente se, houver um certo tipo de reparametrização e atender duas condições: a variável de interesse precisa ser função de apen