Recentemente, expliquei para os alunos a lógica do Teorema da Equalização dos Fatores, um dos resultados mais fortes das teorias de comércio internacional - desenvolvido principalmente por Paul Samuelson. Claro, não vemos de fato o comércio entre países equalizarem os salários entre países no mundo. Sempre ouvi inúmeras críticas a respeito, como se fosse um total absurdo acreditado apenas por míopes economistas neoliberais. Mas por que esse teorema até hoje é ensinado?
Em primeiro lugar, Paul Samuelson não era neoliberal - defendia políticas keynesianas em vários aspectos e talvez seja o maior economista do século XX em termos acadêmicos. Um de seus resultados em teorias de comércio, publicado como "International Trade and Equalisation of Factor Prices" na Economic Journal em 1948 (ver link direto aqui), reconhece vários problemas dos teoremas derivados do modelo Heckscher-Ohlin. Um dos principais é que, para o teorema da equalização dos preços dos fatores valer, precisa-se assumir funções de produção iguais entre os países (ou seja, mesma tecnologia):
There remains a third, and perhaps more fundamental, reason why factor prices need not be equalised: the Ohlin proportions-of-the-factors analysis of international trade has fundamental inadequacies and limitations. The Ohlin analysis explains much; but there is much that it fails to explain; and if adhered to inflexibly, there is much that it can obscure. […] Is it reasonable and useful to set up the hypothesis that production functions are the same the world over? (Samuelson, 1948, p. 181)
Ele não fala ainda em capital humano (teríamos que esperar Becker e Schultz na década de 60), mas reconhece que há muitas diferenças até entre trabalhadores (mas não apenas) que podem afetar produtividade e tratar dois países como iguais só porque têm proporção de fatores iguais não é suficiente - seja por diferenças em conhecimento, cultura e vários outros aspectos do "ambiente", segundo minha interpretação do seguinte trecho:
When we turn to the question of defining significantly comparable categories of productive factors, we run into similar difficulties."A man's a man for a' that," but is a jungle pigmy to be equated to an Eskimo? An illiterate "hill-billy" to his cousin working in the Detroit factories and "broken" to an industrial regime? Even if we are sympathetic to the eighteenth-century view of the plasticity of human nature, so that all men (and women) are regarded as potentiallyalike, we must not overlook the important environmental differences that have conditioned their industrial effectiveness (Samuelson, 1948, p. 182).
Seguindo a tradição de Friedman (1952), talvez a maioria dos economistas diga que aprova um modelo por seus resultados (será mesmo?), sem questionar suas hipóteses, mas Samuelson já antevia os evidentes problemas empíricos devido às hipóteses excessivamente simplificadas. Leontief talvez apenas tenha confirmado a ideia em 1953 - ao menos é o que parece segundo esse trecho do mesmo texto:
We may conclude by saying that factor proportions explain only part of the facts of international economics. We must still set up hypotheses of differences in international production and productivity, differences in effectiveness which are to be accepted as empirical facts even if not simply explainable (Samuelson, 1948, p. 182-3).
Mas os economistas querem chamar atenção da importância da dotação de fatores - e é por isso que continuamos com modelos com proporções de fatores: hoje mais complexos, é claro.
Ou seja, grandes economistas como Samuelson sabiam das virtudes e limitações de seus modelos. Depois os livros-texto espremeram tudo e a grande riqueza de artigos seminais como esse se perdeu. É evidente que os manuais devem ser lidos - não se pode esperar que alunos aprendam apenas lendo papers ou manuais de história do pensamento econômico. Os manuais são de utilidade inestimável, mas não podemos contar apenas com eles, porque muitas vezes os manuais perdem os detalhes. A história do pensamento pode ter um papel complementar importante. E quem fica na superfície - onde eu estava nesse assunto antes de começar a estudar seriamente o tema - acaba dizendo que esse teorema é uma grande besteira sem mais nem menos, como se Samuelson fosse estúpido. Ninguém é obrigado a concordar com teorias, mas é importante ponderar sobre as virtudes e limitações de modelos antes de desqualificá-los - como os próprios criadores das grandes teorias ponderaram acerca de suas próprias criações.
Comentários
Por exemplo, tem um artigo do Trefler (JPE 1993) em que ele mostra empiricamente que equalizacao dos fatores vale no sentido condicional, i.e., se vc incluir diferenças em labor augmenting productivity.
É claro que esse artigo não é a última palavra sobre o assunto, mas o meu ponto é que embora a intuição do Samuelson sobre o tema é algo a ser respeitado, não é claro porque isso é melhor do que um olhar sobre a evidência mais recente.
Liderau
http://krugman.blogs.nytimes.com/2012/03/27/minksy-and-methodology-wonkish/?src=tp
Liderau