Circula pelo Facebook uma figura divulgando um Projeto de Lei do Senado de autoria de Cristovam Buarque, a PLS 480/2007, cujo texto está aqui. De acordo com esse projeto, que obviamente não pode ser aprovado até por questões constitucionais, agentes públicos eleitos (por exemplo, vereadores, deputados, prefeitos, governadores, senadores e até o presidente) seriam obrigados a "matricular seus filhos e dependentes em escolas públicas de educação básica". Ainda segundo a justificativa da proposta, a elite política teria se protegido através do ensino particular, abandonando o ensino público, que ficou destinado ao resto da população. Por fim, o texto diz que "se esta proposta tivesse sido adotada no momento da Proclamação da República [...], a realidade social brasileira hoje seria completamente diferente. Entretanto, a tradição de 118 anos de uma República que separa as massas e a elite, uma sem direitos e a outra com privilégios, não permite a implementação imediata dessa decisão".
O que chama a atenção desta proposta, evidentemente utópica e criada apenas para chamar atenção do público para a educação, como Cristovam Buarque sempre fez, é que podemos encontrar o que ele diz em Albert Hirschman - aquele mesmo, da velha Development Economics. Permitam-me daqui em diante citar minha dissertação de mestrado (Kang, 2010, p. 29-30). No parágrafo abaixo, estou comentando sobre Hirschman em "Exit, Voice and Loyalty" (1980):
Para o autor, “voz” ou “saída” são as reações possíveis para o caso de uma deterioração do desempenho de certa organização. Alguns dos clientes ou membros optam pela “saída”: simplesmente deixam de consumir o produto ou serviço cujo desempenho se deteriorou. Outros optam pela “voz” expressando sua falta de satisfação com o produto ou serviço. Evidentemente, a opção da saída não está disponível se os que usufruem o bem ou serviço estão presos (caso de lock-in) em uma situação de monopólio. No entanto, no caso da educação básica no Brasil, por exemplo, a oferta de escolas particulares era uma alternativa significativa, mesmo quando um sistema público de ensino foi criado. Nessa situação, Hirschman sugere que, supondo uma deterioração da escola pública e a existência da opção de “saída”, os pais mais conscientes acerca da importância da educação crescentemente enviariam seus filhos a escolas particulares, que são substitutos de maior qualidade. No caso de países subdesenvolvidos, é provável que as condições financeiras dos pais contem mais, levando Hirschman (1980, p. 45, nota) a afirmar que “caso a escola particular seja cara e a distribuição de renda desigual, as escolas públicas serão obviamente abandonadas primeiramente pelos pais mais ricos”.[1] Mais adiante, Hirschman é enfático ao dizer que:
Aqueles clientes que se importam mais com a qualidade do produto e que, portanto, são aqueles que seriam os mais ativos, compromissados e criativos agentes de ‘voz’ são, pela mesma razão, também provavelmente os primeiros a optar pela ‘saída’ em caso de deterioração (HIRSCHMAN, 1980, p. 47).[2]
Como podemos ver, a opção dos pais mais interessados pela “saída” teria a capacidade de minar a ação coletiva em favor de uma melhora educacional. Na abordagem de Acemoglu, Johnson e Robinson (2005a), a distribuição desigual de recursos e a incapacidade para ação coletiva diminuiriam substancialmente o poder político de facto, que é a fonte de mudança institucional, uma vez que o poder político de jure origina-se das instituições políticas existentes e tende a atuar em função da preservação dessas instituições. No caso da maioria dos países latino-americanos, o arcabouço institucional que garante a provisão de serviços públicos voltada preferencialmente à elite tende a perpetuar-se devido ao poder político de jure e de facto dessa elite, que é melhor organizada e, portanto, relativamente mais eficiente.
[1] “Private schools being constly and income
distribution unequal, the public schools will of course be deserted primarily
by the wealthier parents […]” (HIRSCHMAN, 1980, p. 45, nota)
[2] “[…] those customers who care most about
the quality of the product and who, therefore, are those who would be the most
active, reliable, and creative agents of voice are for that very reason also
those who are apparently likely to exit first in case of deterioration”
(HIRSCHMAN, 1980, p. 47).
Comentários
Outro problema que eu vejo é que as escolas particulares gastam muito com IPTU tmb
os caras não estão nem aí pra infância no BR