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Há pensamento sério no Brasil?


Nosso amigo do mestrado Luiz (vulgo James Dean) do mestrado faz parte de um grupo de jovens que resolveu se mexer para lançar uma revista. Com um bom mecenato por trás, sejam parentes ou amigos, eles organizaram a Dicta & Contradicta. Por terem contatos, conseguem, por exemplo, entrevistar Fernando Henrique Cardoso em sua última edição. E no lançamento dessa edição, trazem Eduardo Giannetti para responder a pergunta "há pensamento sério no Brasil?"

Foi uma palestra interessante de Giannetti. Como em seus livros, ele demonstra uma excelente clareza analítica e, embora não se concorde com tudo o que ele fala, certamente ele gera matéria para debate. A pergunta do "pensamento sério" era interessante, uma vez que ele deu exemplos que conseguimos identificar como tipicamente brasileiros: a vulnerabilidade do brasileiro a modismos intelectuais oriundos da falta de uma tradição de pensamento em língua portuguesa, o pseudo-progressismo intelectual, as fracas convicções ideológicas ou religiosas, o tribalismo acadêmico, a mistura do pessoal com o profissional no debate intelectual/acadêmico brasileiro, etc. Talvez uma estereotipização excessiva, mas inevitável quando se quer falar do Brasil. A generalização precisa ser feita, por mais que atinjam injustamente alguns.

O que me surpreendeu mais foi a natureza elitista da maioria das perguntas da platéia. É verdade que, na minha opinião, mesmo Giannetti foi muito enfático em falar que a falta de uma tradição de idéias no Brasil é algo nefasto. OK, de fato é ruim. Mas ele foi além e falou da necessidade de um pensamento original. Será mesmo isso tão importante? Não nego que seria bom, mas não vejo maiores possibilidades disso acontecer, dado o atual estágio que nos encontramos. Raphael (vulgo Crouch) pegou o microfone e chamou atenção dessa impossibilidade no atual estágio de produção compartimentalizada do conhecimento - bastante imprópria para pensamentos filosófico-científicos originais - com razão. Pensemos em como escandinavos ou coreanos têm preocupação em querer afirmar sua filosofia. Os coreanos ainda estão sob a tradição confucionista, mas os escandinavos não tem lá muita tradição filosófica (opa, Kierkegaard é dinamarquês e Ibsen é norueguês, mas são exceções). E acho que vivem muito bem. Alemães, com toda sua tradição filosófica também vivem bem, mas já fizeram muita bobagem na história também.

Mas, à exceção do Raphael, a maioria fez perguntas que considerei elitistas. Excessiva preocupação com as universidades de esquina. De fato, muito problemáticas - não geram conhecimento. Perfeito. Mas poucos se preocupavam com o verdadeiro problema do ensino fundamental, assunto que só veio à tona devido ao Giannetti. Por outro lado, ele mesmo acabou falando que as pesquisas sobre capital humano mostravam a importância maior dos estímulos da família sobre a educação do que a escola pública. Ou seja, não adianta apenas fornecer escola pra todos. Mas a pergunta que fica é "o que a política pública pode fazer além de oferecer escolas?" Talvez não muita coisa.

Outro espectador ainda se declarou reacionário e disse que a desigualdade era boa. A Raquel do meu lado com sua radicalidade crítica não concordava com mais nada do que estava sendo dito. "Desigualdade de quê?" pensei. Talvez ele devesse ler o primeiro capítulo de Desigualdade Reexaminada do Sen, chamado "Equality of what?". Graças a Deus, Giannetti fez uma defesa da igualdade de oportunidades.

Não me tirou, no entanto, a impressão elitista do ambiente em geral. A excessiva preocupação em ter uma cultura nobre e a preocupação intelectual apenas voltada para problemas relacionados a isso deixou-me um pouco aborrecido.

Mas gostei da palestra em geral e gosto da revista. Cultura é bom e a revista é uma excelente iniciativa. Promover esse tipo de evento, além de tudo, incentiva o debate. Meus parabéns ao Luiz e ao Joel, as pessoas que conheço desse grupo.

***

Uma última coisa: depois da palestra, fiz questionamentos ao Giannetti sobre seu posicionamento em relação ao utilitarismo e às capacitações. Coitado, visivelmente esgotei-o. Faz parte do ofício de ser famoso.


Comentários

João Melo disse…
Thomas, estive em SP final de semana passada, já conhecia a revista, encontrei os dois primeiros números na Saraiva da Paulista e na Laselva de Guarulhos, MAS ainda nao tinha saido este 3º número. Onde voce conseguiu comprar?
Estou curioso para ler FHC.
Abraço,
João Melo, direto da selva.
Caro João Melo, o site da revista tem os links para as lojas que a vendem. Acesse (www.dicta.com.br). Se você ainda assim não conseguir comprar, não hesite em mandar um email para a Dicta ou o IFE!

Thomas Kang, essa é para você. Pergunto: por que te aborrece a preocupação com uma cultura nobre? Cultura popular o Brasil já tem.

De resto, concordo até com o elitismo da platéia e com a pergunta do Crouch. Mas pra pergunta dele eu tenho resposta: educação liberal (não no sentido de liberalismo laissez-faire, obviamente).

Debatamos...
Thomas H. Kang disse…
Não me aborrece a cultura nobre, mas a EXCESSIVA preocupação com ela. Eu mesmo gosto dessa cultura nobre, acho filosofia algo fascinante. Disseminá-la, como por meio de revistas com a D&C é uma ótima iniciativa, mas isso não me parece ser realmente um problema nacional. O que falta é a oportunidade a maioria das pessoas de ter acesso a essa cultura nobre se assim o quiserem. Sei lá, o que é um problema entre tantos pareceu ter sido elevado à condição de um dos principais problemas. Mas talvez eu seja injusto, dada a natureza da revista que enseja esse tipo de debate.

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