Pular para o conteúdo principal

Pobreza e pensamento econômico

A ciência econômica definiu e redefiniu ao longo do tempo seu objeto de estudo. Adam Smith queria entender a riqueza das nações. Ricardo, pouco após, afirmou que o objetivo da economia era entender como a sociedade produzia e distribuia sua riqueza entre as classes sociais. O surgimento do neoclassicismo, na segunda metade do século XIX, levou a uma radical mudança, transformando a Economia no estudo da alocação eficiente de recursos escassos. Diante de todas essas definições, poucas de fato chamaram atenção direta para a pobreza.

De fato, o nascimento da Economia está relacionada ao estudo da riqueza, assunto interessante na Grã-Bretanha pós-Revolução Industrial. Ao chamar atenção para a distribuição, Ricardo chegou mais perto, mas não mencionou diretamente a pobreza. É estranho pensar que uma ciência preocupada com o processo de criação de riqueza tenha negligenciado o oposto. Marx falou da pauperização da classe trabalhadora, Marshall descreveu os terríveis problemas pelos quais os pobres passam. No entanto, pouco se avançou no estudo direto da pobreza, tornando-se apenas em falta de riqueza.

Ainda hoje, os livros de micro e macroeconomia pouco mencionam acerca desse fenômeno. A busca da eficiência é objetivo constante da microeconomia, com algumas notas acerca de bem-estar, é verdade, mas que é pouco, perto do valor dado à eficiência. Mesmo os desenvolvimentistas pouco sabiam de pobreza: pensavam apenas que ela seria superada com o crescimento econômico acelerado pelo Estado, estratégia que se mostrou equivocada no que concerne à pobreza. A maioria dos economistas até hoje pouco sabe do assunto

Talvez por isso, a abordagem das capacitações de Amartya Sen esteja ganhando adeptos atualmente. Com o enfoque nas liberdades substantivas, é possível pensar diretamente em pobreza, e não nela apenas como o oposto de riqueza. Não tenho condições de avaliar essa nova corrente metodologicamente, mas a julgo promissora justamente por essa perspectiva que une conceitos filosóficos à pragmatismo. Ao destacar a pobreza e estudá-la diretamente, é mais simples fazer políticas que realmente sejam relevantes, suprindo carências fundamentais para o desenvolvimento do ser humano.

Há muito uma perspectiva como essa deveria ter sido incorporada à nossa ciência, não significando isso o desprezo da eficiência, o que se constituiria um pecado similar ao que a Economia fez até hoje com a pobreza.

Comentários

Guilherme Stein disse…
Discordo.

O motivo pelo qual tem-se dedicado pouco estudo para a "distribuição" é que já se achou uma resposta satisfatória para essa questão. Não existe uma "regra de justiça" que diga quanto cada "classe" ou "fator de produção" deve receber por seu uso. A utilidade se dá pela escassez, ou seja, cada fator recebe de acordo com sua contribuição marginal. No mercado funciona assim.

O Estado pode redistribuir de outra forma, talvez da maneira "socialmente justa" (seja lá o que isso quer dizer). Mas a economia de mercado distribui de acordo com a contribuição marginal.

Não confunda o que É com o que "deveria" ser, amigo Thomas.

Espero que a USP esteja de acordo com suas expectativas! Bons estudos! Boa sorte com a análise!

Christians kick ass \o/
Anônimo disse…
Belo comentário thomas. Mesmo pensando haver a questão de saber quantificar e qualificar a contribuição marginal, acredito q daria pra aliar os dois enfoques. Levando em consideração a dinâmica dos mercados e suas determinações de contribuição marginal, pode-se pensar em políticas que permitam promover as liberdades substantivas defendidas por Sen. Talvez isso até mude as interações q retratam a distribuição de renda.
Bom eras isso!
Abraço e sucesso por ae!
Thomas H. Kang disse…
Nunca confundi o que "é" com o que "deveria ser". Eu só não acho que precisamos ficar no "é". Nem acho que aqueles que dizem ficar apenas no "é" realmente o fazem.

Postagens mais visitadas deste blog

Lutero e os camponeses

São raros os momentos que discorro sobre teologia neste blog. Mas eventualmente acontece, até porque preciso fazer jus ao subtítulo dele. É comum, na minha condição declarada de cristão luterano, que eu sempre seja questionado sobre as diferenças da teologia luterana em relação às outras confissões. Outra coisa sempre mencionada é o episódio histórico do massacre dos camponeses no século XVI, sancionado por escritos de Lutero. O segundo assunto merece alguma menção. Para quem não sabe (e eu nem devo esconder isso), Lutero escreveu que os camponeses, que na época estavam fazendo uma revolta bastante conturbada, deveriam ser impedidos de praticarem tais atos contrários à ordem - inclusive por meio de violência. Lutero não mediu palavras ao dizer isso, o que deu a justificativa para a violenta supressão da revolta que ocorreu subsequentemente. O objetivo deste post não é inocentar Lutero do sangue derramado sobre o qual ele, de fato, teve grande responsabilidade. Nem vou negar que Lutero

Endogeneidade

O treinamento dos economistas em métodos quantitativos aplicados é ainda pouco desenvolvido na maioria dos cursos de economia que existem por aí. É verdade que isto tem melhorado, até porque não é mais possível acompanhar a literatura internacional sem ter conhecimento razoável de técnicas econométricas. Talvez alguns leitores deste blog ouçam falar muito em endogeneidade ou variáveis endógenas, principalmente no que se refere a modelos econométricos. Se pensamos em modelos de crescimento endógeno, o "endógeno" significa que a variável que causa o crescimento é determinada dentro do contexto do modelo. Mas em econometria, embora não seja muito diferente do que eu disse na frase anterior, endogeneidade se refere a "qualquer situação onde uma variável expicativa é correlacionada com o erro" (Wooldridge, 2011, p. 54, tradução livre). Baseando-me em um único trecho do livro do Wooldridge (Econometric Analysis of Cross-Section and Panel Data, 2 ed, 2011, p. 54-55)

Exogeneidade em séries de tempo

Mais um texto de quem tem prova de econometria na segunda-feira. Quem não é economista não deve de forma alguma ler esse texto. Não digam que eu não avisei. Quando falamos de exogeneidade na econometria clássica, estamos falando da chamada exogeneidade "estrita", que nada mais consiste no fato de uma variável x não ser correlacionada com qualquer erro. Nas séries de tempo, no entanto, trabalha-se com três tipos de exogeneidade, dependendo do fim proposto. Na busca de resultados em inferência estatística (modos de estimar parâmetros e formulação de testes de hipótese), utiliza-se, em séries de tempo, o conceito de exogeneidade fraca. Para isso, precisamos 'fatorar a função de distribuição em duas partes: distribuição condicional e distribuição marginal . Define-se que uma variável é fracamente exógena em relação aos parâmetros de interesse se, e somente se, houver um certo tipo de reparametrização e atender duas condições: a variável de interesse precisa ser função de apen