Pular para o conteúdo principal

Considerações sobre educação pública

A comunidade universitária costuma debater em termos de "público vs. privado" quando se fala de educação superior. Muitos economistas costumam dizer que os países prósperos investiram em educação primária primordialmente, tendo ocorrido o contrário no Brasil. Assim, economistas são considerados como aqueles que querem acabar com a universidade pública.

Não obstante alguns economistas realmente queiram acabar com universidades públicas, não é exatamente esse o ponto do argumento quando analisamos empiricamente. O problema não é a universidade ser pública e o Estado gastar recursos em sua manutenção. Quando se soma isso à falta de gastos no primário é que é preocupante. Muitos países prósperos também investiram em universidades públicas, mas não existe país próspero que não tenha investido maciçamente em educação básica.

Lindert (2003, p. 325-6) propõe algumas medidas para detectarmos quando as políticas educacionais estão claramente favorecendo a elite: (1) taxa de suporte ao ensino primário = (fundos públicos para ensino primário/total de crianças com idade para cursar o primário) dividido por PIB per capita; (2) Taxa relativa de suporte ao ensino terciário = suporte público para a educação terciária por aluno dividido pelo numerador de (1).

A segunda medida não vê problemas em investir em educação superior, desde que o ensino primário tenha prioridade. Ou seja, isso não significa que queremos "acabar com a universidade pública". Significa apenas que o ensino primário é prioritário, pois possibilita maior igualdade real de oportunidades. Como diz o mesmo Lindert (2003, p. 327):

"The calculated social rates of return are lower for tertiary education than for primary, and there is no clear externality argument in favor of subsidizing higher education more than primary education in a lower income setting".

Infelizmente no Brasil, é bem provável que observemos taxas bastante "elitistas" devido à falta de investimentos no ensino fundamental, o que certamente contribui para a persistência da desigualdade no país.

Lindert, Peter H. (2003). "Voice and Growth: Was Churchill Right?" Journal of Economic History, 63 (2), June.


Comentários

baldus disse…
realmente. Sempre quando vinham encher meu saco sobre escola publica ou privada ou nao sei o que eu ja mandava: melhorar ensino fundamental/medio, senoa nao adianta nada

querem inventar cotas!!! ja implantaram na UFRGS, resultado: em economia, o ultimo colocado fez menos de 400. Ou seja, menos de um desvio-padrao da média (que já é baixissima)...isso nao ajuda em nada senao forem alem e mexerem la embaixo.

O problema é que o que tentam fazer la embaixo é sempre o inverso do que deveria. obrigar ter filosofia e sociologia é sacanagem, sendo que somos tao fracos em matematica. Dai ao inves de melhorar isso, aumentamos o numero de materias e estudamos menos matematica! Genial (adolfo sachsida falou disso em seu blog recentemente). Crianças vao estudar Marx, sem maturidade alguma, e nao saberao fazer simples contas de divisao.

Essa é a selva!
Edilson Aguiais disse…
Olha só que legal o quadro atual da educacao brasileira.

Pobre: Acredite em voce e no que a sociedade te impõe. A piramide é fixa e, como voce nasceu pobre, deverá morrer pobre. O Estado promoverá a educação basica ao maior numero de "pessoas" pois é necessário incrementar o IDH do país alem, é claro, de facilitar caso seja necessário conseguir emprestimos/investimentos externos. Voce terá direito a variadas bolsas que te farão crer sempre que não é necessário trabalhar muito pois, caso haja um maior rendimento o consumidor prefere trabalhar menos.

Ricos: Parabens! A anti-revolução professada por Florestan Fernandes realmente deu certo. O país é de vocês.

Mortais: Infelizmente nao posso deixar de citar uma infeliz frase que roda na net: " O BRASIL PRECISA COMEÇAR A EXPLORAR AS SUAS RIQUEZAS POIS A POBREZA JA FOI EXPLORADA DEMAIS".
Olhando os últimos estudos empíricos do IBGE e do IPEA (Paes de aBarro et. al., basicamente), a situação da educação brasileira está dando sinais de melhora.

Durante a década de 90, os índices de qualidade da educação no país caíram muito, mas isso se deu por causa da universalização do ensino fundamental. Isto é, mais gente nas escolas, e gente de background social e familiar inferior, com menores potenciais de aprendizado.

Mas a partir de 2003, eu acho, os índices de qualidade já tomaram uma tendência de alta. Agora com a universalização do ensino básico já alcançada (e é mérito dos programas Bolsa Escola e Bolsa Família, independentemente de ideologias), há mais espaço para investimentos na qualidade.

Sobre a inclusão de novas disciplinas nos currículos das escolas, acho q fica a cargo de cada uma. Tipo, eu tive aula até de psicologia no terceiro ano do ensino médio, e achei legal. Além disso, entre escolas privadas, alguma flexibilidade nos currículos e atividades pode servir de meio de competição entre elas, o que beneficia os consumidores (alunos e famílias). Mas OBRIGAR por decreto as escolas a oferecerem filosofia e sociologia, ao invés de focar nas disciplinas mais fundamentais, acho um erro.
E quanto a pagarmos para estudar na USP, na UNICAMP, na UFRGS?
O maior mecanismo de concentração de renda que temos neste país é o sistema educacional. A primeira parte desse mecanismo já foi discutida, então vou pular. A segunda é a Universidade gratuita para quem pode pagar.
Eu me graduei na USP e faço mestrado na UNICAMP, além de receber uma bolsa de R$ 1200,00 do Estado. E não precisaria de nada disso, pois faço parte da elite deste país, junto com 95% de quem estiver lendo este comentário, e poderia muito bem pagar por tudo isso. Assim, o Estado não apenas está dando um imenso subsídio para quem pode pagar, como, principalmnete, está deixando de dar subsídios a quem não pode.
Se me pedissem para inventar uma maneira de concentrar a renda eu não conseguiria pensar em algo tão eficaz.
Se apenas os que podemos pagar começássemos a pagar, e esses recursos fossem canalizados para o ensino básico, estaríamos resolvendo dois problemas com uma pancada só. Eu continuaria estudando, assim como o meu colega que não tem a mesma renda que meus pais, e as crianças pobres teriam uma educação um pouquinho melhor.
E por que isso não acontece?
É o mesmo que perguntar: e por que a reforma tributária nunca acontece, apesar de todos sabermos que a estrutura de tributação é regressiva?
Bem, eu acho que estamos na periferia não porque as elites importam Sony Vaio e IPod de 300 Gb em demasia (Celso Furtado), mas porque toda a sociedade está contaminada por uma cultura regressiva. Não acho que a elite precise aumentar a taxa de exploração para poder consumir uma cesta cada vez mais diversificada. Na verdade, quem paga R$ 500,00 para a empregada não está economizando R$ 500,00 (assumindo que R$ 1000,00 seria um salário minimamente decente) porque sem isso não poderia comprar o seu Sony Vaio. O faz porque estamos afundados numa cultura regressiva, e não estamos interessados em refletir sobre ela.
Não concorda? Então saia pela USP perguntando aos alunos se eles são favoráveis a exigir daqueles que não pagam por lá estudar que provem que não podem pagar.
Anônimo disse…
O Estado ao invés de resolver investir em educação básica deveria deixar que outros invistam, saindo totalmente da administração e regulação da educação.
Thomas H. Kang disse…
De fato, os comentários em sua maioria foram bem pertinentes.

Concordo que o investimento em educação superior é desproporcionalmente maior. Enquanto os países que mais cresceram investiram em educação primária, o Brasil faz justamente o contrário. Isso não significa necessariamente tirar todo investimento no superior, não é isso. Mais importante do que tirar dinheiro do superior é investir mais no fundamental. Não se deve confundir os objetivos. Defender simplesmente menor alocação de verba no superior pode significar falta de verba nos dois.

De fato, o Martini tem razão, a situação tem melhorado, graças a Deus. Continuemos esperando por mais melhoras.

Quanto ao Juliano, agradeço a visita ao blog, mas uma constatação panfletária é insuficiente. Dogmatismos, sejam eles austríacos ou marxistas, não são muito produtivos. Se quiseres desenvolver mais, a gente agradece e serás muito bem-vindo, como são muitos outros visitantes deste blog que são austríacos.
Thomas H. Kang disse…
Edilson,

Melhor expandir do que não expandir a educação básica. É difícil expandir com qualidade excelente.

Postagens mais visitadas deste blog

Lutero e os camponeses

São raros os momentos que discorro sobre teologia neste blog. Mas eventualmente acontece, até porque preciso fazer jus ao subtítulo dele. É comum, na minha condição declarada de cristão luterano, que eu sempre seja questionado sobre as diferenças da teologia luterana em relação às outras confissões. Outra coisa sempre mencionada é o episódio histórico do massacre dos camponeses no século XVI, sancionado por escritos de Lutero. O segundo assunto merece alguma menção. Para quem não sabe (e eu nem devo esconder isso), Lutero escreveu que os camponeses, que na época estavam fazendo uma revolta bastante conturbada, deveriam ser impedidos de praticarem tais atos contrários à ordem - inclusive por meio de violência. Lutero não mediu palavras ao dizer isso, o que deu a justificativa para a violenta supressão da revolta que ocorreu subsequentemente. O objetivo deste post não é inocentar Lutero do sangue derramado sobre o qual ele, de fato, teve grande responsabilidade. Nem vou negar que Lutero

Endogeneidade

O treinamento dos economistas em métodos quantitativos aplicados é ainda pouco desenvolvido na maioria dos cursos de economia que existem por aí. É verdade que isto tem melhorado, até porque não é mais possível acompanhar a literatura internacional sem ter conhecimento razoável de técnicas econométricas. Talvez alguns leitores deste blog ouçam falar muito em endogeneidade ou variáveis endógenas, principalmente no que se refere a modelos econométricos. Se pensamos em modelos de crescimento endógeno, o "endógeno" significa que a variável que causa o crescimento é determinada dentro do contexto do modelo. Mas em econometria, embora não seja muito diferente do que eu disse na frase anterior, endogeneidade se refere a "qualquer situação onde uma variável expicativa é correlacionada com o erro" (Wooldridge, 2011, p. 54, tradução livre). Baseando-me em um único trecho do livro do Wooldridge (Econometric Analysis of Cross-Section and Panel Data, 2 ed, 2011, p. 54-55)

Exogeneidade em séries de tempo

Mais um texto de quem tem prova de econometria na segunda-feira. Quem não é economista não deve de forma alguma ler esse texto. Não digam que eu não avisei. Quando falamos de exogeneidade na econometria clássica, estamos falando da chamada exogeneidade "estrita", que nada mais consiste no fato de uma variável x não ser correlacionada com qualquer erro. Nas séries de tempo, no entanto, trabalha-se com três tipos de exogeneidade, dependendo do fim proposto. Na busca de resultados em inferência estatística (modos de estimar parâmetros e formulação de testes de hipótese), utiliza-se, em séries de tempo, o conceito de exogeneidade fraca. Para isso, precisamos 'fatorar a função de distribuição em duas partes: distribuição condicional e distribuição marginal . Define-se que uma variável é fracamente exógena em relação aos parâmetros de interesse se, e somente se, houver um certo tipo de reparametrização e atender duas condições: a variável de interesse precisa ser função de apen