Pular para o conteúdo principal

Dotação de fatores e instituições: Engerman e Sokoloff

Após ter sido ignorada por algum tempo, a literatura sobre as questões de longo prazo na história econômica da América Latina voltou a ter posição de destaque. Segundo Coatsworth (2005), houve um retorno às grandes questões que inspiraram estruturalistas, cepalinos, dependentistas, entre outros. No entanto, os novos estudos abordam os assuntos não sob essas perspectivas, mas sob uma visão da economia institucional.

Um trabalho de destaque no debate é o paper de Engerman e Sokoloff (1997), no qual os autores tentam explicar as diferentes performances de longo prazo dos países da América Latina a partir das diferenças de dotação de fatores e das instituições que elas geraram. Em posterior artigo, Engerman e Sokoloff (2002) aprofundam seus argumentos. Contrariando interpretações que buscam na cultura ou na herança nacional a fonte das disparidades entre os países latino-americanos, os autores pretendem mostrar evidências de que as instituições criadas nesses países tem forte relação com as dotações de fatores que esses países possuíam.

Para isso, Engerman e Sokoloff classificaram os países em três grupos: (1) as colônias como as ilhas do Caribe e o Brasil, cujas condições terrenas e climáticas permitiam bem-sucedida produção de açúcar e outros produtos valiosos no mercado internacional, utilizando-se grandes latifúndios com intenso uso de mão-de-obra escrava, uma vez que havia grandes economias de escala; (2) a maior parte da América Espanhola (principalmente México e Peru), locais em que havia grande quantidade de minérios valiosos e mão-de-obra nativa; e (3) a América do Norte continental, no qual a estrutura fundiária era baseada em pequenas propriedades, cuja produção consistia principalmente de grãos. Essa estrutura apresentava pequenas economias de escala, não incentivando maior uso de escravos.

Os dois primeiros tipos de organização geraram distribuições de riqueza, capital humano e poder político altamente desiguais. Com a grande quantidade de escravos (1) e nativos (2), formou-se uma pequena elite que moldou as instituições responsáveis por perpetuar as desigualdades mantendo os privilégios das elites. A Espanha, por exemplo, restringiu bastante a entrada de imigrantes nas suas possessões, provavelmente porque para as elites já constituídas, não interessava a chegada de novos europeus que pudessem concorrer com eles. Nas regiões que vieram a formar os EUA e o Canadá, a pequena quantidade de nativos existentes, as condições naturais não propícias para culturas altamente lucrativas, e a estrutura fundiária, permitiram que se formasse uma população bastante homogênea: a distribuição de riqueza, capital humano e poder político era muito mais igualitária.

Um ponto importante de Engerman e Sokoloff é que outras regiões colonizadas por britânicos como Barbados, Belize ou Providence Island, tiveram desempenho parecido com seus vizinhos. Os últimos apresentavam dotações de fatores parecidas, mas diferentes heranças nacionais. As condições iniciais são, portanto, muito importantes para explicar o desempenho de longo prazo nesses paises. Essas condições tiveram efeitos tão duradouros não apenas porque elas não mudam facilmente, mas também porque as políticas do governo e outras instituições permitiram a persistência da desigualdade política e econômica. (p. 17).


Coatsworth, J. (2005). "Structures, Endowments, and Institutions in the Economic History of Latin America". Latin America Research Review, 40 (3), October.

Engerman, S. & Sokoloff, K.(1997). "Factor Endowments, Institutions, and Differential Growth Paths among New World Economies," in Stephen Haber (ed.) How Latin America Fell Behind, Stanford University Press, Stanford, CA.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Lutero e os camponeses

São raros os momentos que discorro sobre teologia neste blog. Mas eventualmente acontece, até porque preciso fazer jus ao subtítulo dele. É comum, na minha condição declarada de cristão luterano, que eu sempre seja questionado sobre as diferenças da teologia luterana em relação às outras confissões. Outra coisa sempre mencionada é o episódio histórico do massacre dos camponeses no século XVI, sancionado por escritos de Lutero. O segundo assunto merece alguma menção. Para quem não sabe (e eu nem devo esconder isso), Lutero escreveu que os camponeses, que na época estavam fazendo uma revolta bastante conturbada, deveriam ser impedidos de praticarem tais atos contrários à ordem - inclusive por meio de violência. Lutero não mediu palavras ao dizer isso, o que deu a justificativa para a violenta supressão da revolta que ocorreu subsequentemente. O objetivo deste post não é inocentar Lutero do sangue derramado sobre o qual ele, de fato, teve grande responsabilidade. Nem vou negar que Lutero

Endogeneidade

O treinamento dos economistas em métodos quantitativos aplicados é ainda pouco desenvolvido na maioria dos cursos de economia que existem por aí. É verdade que isto tem melhorado, até porque não é mais possível acompanhar a literatura internacional sem ter conhecimento razoável de técnicas econométricas. Talvez alguns leitores deste blog ouçam falar muito em endogeneidade ou variáveis endógenas, principalmente no que se refere a modelos econométricos. Se pensamos em modelos de crescimento endógeno, o "endógeno" significa que a variável que causa o crescimento é determinada dentro do contexto do modelo. Mas em econometria, embora não seja muito diferente do que eu disse na frase anterior, endogeneidade se refere a "qualquer situação onde uma variável expicativa é correlacionada com o erro" (Wooldridge, 2011, p. 54, tradução livre). Baseando-me em um único trecho do livro do Wooldridge (Econometric Analysis of Cross-Section and Panel Data, 2 ed, 2011, p. 54-55)

Exogeneidade em séries de tempo

Mais um texto de quem tem prova de econometria na segunda-feira. Quem não é economista não deve de forma alguma ler esse texto. Não digam que eu não avisei. Quando falamos de exogeneidade na econometria clássica, estamos falando da chamada exogeneidade "estrita", que nada mais consiste no fato de uma variável x não ser correlacionada com qualquer erro. Nas séries de tempo, no entanto, trabalha-se com três tipos de exogeneidade, dependendo do fim proposto. Na busca de resultados em inferência estatística (modos de estimar parâmetros e formulação de testes de hipótese), utiliza-se, em séries de tempo, o conceito de exogeneidade fraca. Para isso, precisamos 'fatorar a função de distribuição em duas partes: distribuição condicional e distribuição marginal . Define-se que uma variável é fracamente exógena em relação aos parâmetros de interesse se, e somente se, houver um certo tipo de reparametrização e atender duas condições: a variável de interesse precisa ser função de apen